
O que é?
A endometriose é uma doença inflamatória, crônica definida como a presença de tecido semelhante ao endométrio, fora do útero, que causa inflamação, dor, aderências entre os órgãos e pode estar associada a infertilidade em até 50% das mulheres que tem a doença.
Assim como o endométrio, a endometriose é estimulada pelo hormônio estrogênio, produzido principalmente pelos ovários, a cada ciclo menstrual, mas também é produzido em outros locais, como o tecido gorduroso. O ciclo hormonal feminino inicia com aumento do estrogênio até a ovulação, quando ocorre uma redução desse hormônio seguido de aumento da progesterona e se não ocorrer fecundação, há uma queda hormonal que causa descamação do endométrio e sangramento, a menstruação. Esse sangramento também ocorre nos focos de endometriose, gerando inflamação e dor principalmente no periodo menstrual.
Desde 2021 a endometriose é considerada uma doença sistêmica, ou seja, que envolve todo o organismo e não somente a pelve. Altera nosso cérebro, sistema nervoso e causa inflamação em todo o corpo, podendo levar a sintomas além da pelve.
Acomete cerca de 10% das mulheres em todo o mundo, 7 milhões de mulheres somente no Brasil. É a principal causa de dor pélvica crônica e tem um impacto importante na qualidade de vida de muitas mulheres. Um estudo em 10 países identificou que é uma importante causa de falta ao trabalho, em média essas mulheres perdem 10,8 horas semanais de trabalho, gerando impacto econômico. Pelo menos 50% das mulheres referem que a doença interfere nos seus relacionamentos e foi considerada uma das doenças mais dolorosas do mundo, pelo Reino Unido.
Embora traga um impacto negativo tão importante a saúde feminina, o diagnóstico da doença tem um atraso médio de 7 a 10 anos, consequentemente atrasando o tratamento adequado e levando a um sofrimento desnecessário.
Como surge?
Apesar da primeira descrição de endometriose ter mais de um século, ainda hoje existem incertezas para definição de sua causa.
Sabemos que há uma interferência genética, embora nenhum gene específico tenha sido encontrado, a história familiar de endometriose em mãe, irmã, filha aumenta em até 7x a chance de adquirir a doença.
Os hábitos de vida, exposição a toxinas ambientais como poluição, produtos químicos e ao estrogênio presente em alguns alimentos também podem estar relacionados ao surgimento da doença. Algumas teorias, ao longo do tempo, foram propostas para tentar explicar a origem da endometriose, as principais são:
- Teoria da menstruação retrógrada: Foi a primeira, proposta por Sampson, propõe que o sangue da menstruação, que contêm células endometriais, reflue pelas trompas, levando essas células para a cavidade abdominal, onde são implantadas.

- Teoria Imunológica: Surgiu para complementar a teoria anterior, pois cerca de 90% das mulheres apresentam a menstruação retrógrada e somente a minoria desenvolve a doença. Essa teoria propõe que uma disfunção imune impede que o sistema de defesa elimine essas células presentes na cavidade abdominal, permitindo assim que se estabeleçam e proliferem, propiciando a evolução da doença.
- Teoria da Metaplasia celômica: Propõe que células com capacidade de mutação presente no peritôneo (tecido que recobre os órgãos da cavidade abdominal) e em outros locais, apresentam capacidade de transformação em tecido endometrial e esse mecanismo pode ocorrer por influência hormonal, imune e epigenética.
- Teoria Mulleriana: Defende que a endometriose surge durante o desenvolvimento embrionário, por uma falha e permanece adormecida até a mulher iniciar os ciclos menstruais.
- Teoria da disseminação linfática e hematológica: estabelece que as células endometriais podem ser transportadas pelo sangue e sistema linfático para outras partes do corpo, o que justificaria a presença de endometriose fora da pelve, como em pulmões, cérebro, olhos.
- Teoria Epigenética: Teoria mais recente, que expressa a importância dos fatores externos, hábitos de vida em modificar nossa genética e predispor ou não a expressão da doença.
Até o momento, os estudos não são conclusivos quanto a forma de prevenir o surgimento da doença. O que sabemos até o momento é que a melhor forma de tentar evitar a doença é mantendo hábitos de vida saudáveis.

QUAIS OS SINTOMAS?
Os sintomas clássicos são:
- Cólicas menstruais intensas
- Dor pélvica inclusive fora do período menstrual
- Dor durante a relação sexual, principalmente na profundidade
- Dor ao urinar
- Dor ao evacuar
- Infertilidade
Os sintomas geralmente são exacerbados no período menstrual, mas podem persistir e se tornarem diários.
Além desses, outros sintomas também estão associados a endometriose como:
- Intestinais: sensação de inchaço abdominal, empachamento, diarreia e prisão de ventre
- Urinários: dor quando a bexiga está cheia, aumento na frequência das micções, sensação de urgência para urinar
- Psicológicos: labilidade emocional, ansiedade e depressão estão fortemente associadas a endometriose e dor crônica.
- Sistêmicos: sensação de fadiga, dificuldade para dormir e manter o sono, dor de cabeça.
Os sintomas também podem variar de acordo com a localização. A imagem abaixo cita os locais mais comuns acometidos pela endometriose:

Além desses locais, a endometriose pode surgir em regiões fora da pelve como o diafragma, pericárdio, entre outros. Porém são locais pouco frequentes.
COMO SEI SE TENHO ENDOMETRIOSE?
O diagnóstico da endometriose demanda uma abordagem especializada. Muitas mulheres relatam experiências de ter realizado diversos exames de ultrassom que não revelaram evidências da doença. Isso ocorre porque a ultrassonografia convencional não é o método adequado para diagnosticar a endometriose.
Para determinar a presença da endometriose de forma precisa, é essencial contar com a expertise clínica de um médico experiente. A partir de dados clínicos coletados e de um exame físico minucioso, o profissional pode suspeitar da sua existência e iniciar o tratamento.
No exame físico, em casos de endometriose profunda e/ou ovariana, é possível observar a presença de alterações muito sugestivas da doença por meio do toque vaginal, capaz de identificar a endometriose em aproximadamente dois terços dos casos.
No exame de toque, é possível detectar as alterações que acometem os ligamentos uterossacros (que vai da parte posterior do útero até o osso sacro). Esse é o local mais comum de acometimento da endometriose, tornando-o espessado e retraído, doloroso a palpação. Também no exame de toque, é possível sentir nodulações atrás do colo do útero e nesses casos, quando se toca o nódulo, a paciente pode também sentir dor e perceber o útero fixo e com pouca mobilidade.

Essa detecção requer experiência do profissional, adquirida por meio de treinamentos e conhecimento acerca da doença.
EXAMES COMPLEMENTARES
A Ressonância Magnética de pelve e Ultrassonografia para mapeamento de endometriose, ambas realizadas com o preparo intestinal e por médicos radiologistas experientes, são os exames padronizados para o diagnóstico e acompanhamento da doença.
É importante salientar que a ausência de achados no exame de imagem, não exclui a doença. Isso porque a endometriose pode ser classificada em:
1. Endometriose superficial: localizada superficialmente aos órgãos, muitas vezes muito pequenas e por isso pode não ser detectada nos exames.


2.Endometriose profunda: quando invade a superfície dos órgãos, podendo causar aderências, fibrose e distorção da anatomia, é mais facilmente identificada nos exames de imagem.




3. Endometrioma ovariano: cisto no ovário com células endometriais e sangue, semelhante a chocolate, que pode ser identificado no ultrassom convencional, sendo recomendado a complementação com o mapeamento para endometriose, pois é comum a associação com doença profunda.


Por isso, é fundamental reconhecer os sintomas para diagnosticar a doença.
É importante lembrar que os sintomas não estão relacionados com o tipo de endometriose e nem com tamanho de lesão. Por exemplo, a mulher pode ter muitos sintomas e somente endometriose superficial, enquanto uma mulher pode ter endometriose profunda e não apresentar sintomas de dor.
TRATAMENTO
Como já falado anteriormente, a endometriose é uma doença complexa, sistêmica, crônica e inflamatória que sofre interferência de vários fatores: endócrinos, imunológicos, ambientais e do estilo de vida. O tratamento tem como objetivo a qualidade de vida e a melhora da fertilidade para as mulheres que desejam engravidar e por isso deve ser individualizado. Envolve muitas vezes não somente o médico ginecologista mas o acompanhamento com uma equipe multidisciplinar que pode ser formada por: fisioterapeuta, nutricionista, médico especializado em dor, psicólogo, infertileuda, acupuntura, osteopatia, educadores físicos, entre outros.
Alguns pilares devem ser considerados para alívio dos sintomas:

Medicamentos Hormonais: como dienogeste e outros progestágenos orais, anticoncepcionais combinados orais, Implanon e DIU hormonal. Todos eles tem a finalidade de reduzir a quantidade de estrogênio e consequentemente aliviar os sintomas, mas não tem a capacidade de reduzir as lesões e até o momento também não se sabe se tem o papel de prevenir o crescimento da doença . São indicados por vários guidelines como a primeira linha de tratamento para endometriose.
Medicamentos para alívio e modulação de dor como analgésicos, antidepressivos e anticonvulsivantes.

Alimentação: Uma alimentação anti-inflamatória, rica em legumes, vegetais, peixes, chás, com redução de glúten e lactose naquelas com sintomas intestinais e intolerâncias alimentares, além de redução no consumo de carne vermelha e suplementação adequada, tem relação com melhora dos sintomas. Em contrapartida, Fast-food, alimentos processados, carnes vermelhas e outros alimentos inflamatórios acarretam piora da dor.
Controle de estresse: Infelizmente não temos como evitar os problemas do dia a dia, porém podemos modificar a forma de lidar com eles. Técnicas de mindfulness, acupuntura, relaxamento, técnicas de respiração, podem ser utilizadas para reduzir o estresse e melhora de dor.

Exercícios físicos: 150 minutos por semana de atividade moderada ou 75 minutos por semana de atividade intensa estão relacionadas a redução de inflamação e consequentemente da dor. Em alguns casos, quando existe síndrome miofascial associada, a dor pode piorar ou ser desencadeada durante o exercício e por isso deve ser evitado até o tratamento adequado e melhora da dor.

Redução de tóxicos: Reduzir substâncias que agem como disruptores endócrinos e simulam a ação do estrogênio como o Bisfenol A (presente em recipientes plásticos), Parabenos(Cosméticos ),Pesticidas, Fitoestrogenos(presente em cosméticos e derivados de soja), além de reduzir consumo de álcool e tabagismo, estão relacionados com melhora dos sintomas.

Saúde mental: Doenças como ansiedade e depressão, além da catastrofização da dor e vitimização estão diretamente relacionadas com o a piora da dor. Nesses casos o acompanhamento com psicólogo e psiquiatria são essenciais.

Sono: O sono é uma atividade essencial para a manutenção da saúde e do bem-estar. Durante o sono o sistema inume e a inflamação são regulados. Uma noite de sono de má qualidade pode aumentar a inflamação e a sensibilidade dolorosa no dia seguinte. Um estudo que investigou a relação da duração do sono e a presença de queixas dolorosas na população encontrou que indivíduos que dormiam menos que 6 horas por noite relatavam mais queixas dolorosas no dia seguinte, e ainda, aqueles que dormiam por 3 horas ou menos tiveram um aumento de 81% na frequência de dor

Espiritualidade: Aqui não estamos falamos de religião, mas de algo que transcende o corpo, um conjunto de crenças que traz vitalidade e significado a vida. Pessoas que expressam a espiritualidade tem um alívio maior da dor e melhor resposta ao tratamento
O tratamento englobando todos esses pilares têm como finalidade o alívio dos sintomas mas não interferem no crescimento da doença e nem cura as lesões.


O único tratamento eficaz em reduzir e/ou retirar as lesões de endometriose é a cirurgia, que deve ser realizada obrigatoriamente por laparoscopia ou robótica, com uma equipe experiente e indicada geralmente quando:
- Não há melhora dos sintomas com o tratamento clínico
- A doença acomete algum órgão prejudicando ou podendo prejudicar sua função (como ureter e intestino delgado)
- Endometriomas grandes e/ou bilaterais
- Desejo da paciente
O tratamento cirúrgico não exclui os cuidados anteriormente citados e um estilo de vida saudável tem um papel importante na redução da recorrência da doença após a cirurgia.
É de extrema importância que a mulher portadora de endometriose participe ativamente na decisão do tratamento e que esteja ciente sobre os riscos e benefícios do tratamento escolhido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A endometriose, sem dúvida, é uma condição que pode aterrorizar muitas mulheres devido aos estigmas associados à dor e à preocupação com a fertilidade. O diagnóstico, por vezes, é percebido como uma sentença que traz consigo um fardo de sofrimento. Pode afetar a qualidade de vida, impactando relacionamentos, aspirações, carreiras e, por vezes, você pode sentir que suas queixas são desvalorizadas, levando à desesperança.
Embora a dor possa ser uma realidade momentânea, o sofrimento é opcional. Endometriose não é uma sentença!
É totalmente possível viver sem dor, realizar o sonho de engravidar, manter relacionamentos saudáveis e ter sucesso em sua carreira. Você não precisa está sozinha nesta jornada…
Endometriose tem tratamento e eu posso te ajudar!